Expressando palavras honestas

Expressando palavras Honestas

Após tratar da sexualidade, o Senhor trouxe à lume, no Sermão do Monte, outra área extremamente significativa para os relacionamentos: a do compromisso com a palavra empenhada. Não poderia ter sido diferente porque a palavra é a força propulsora da engrenagem humana, tanto para o bem quanto para o mal. Ela é o instrumento que aciona grandes negócios, constrói sólidas amizades, aproxima as nações, mas, ao mesmo tempo, pode ter efeito devastador, dependendo da forma como é empregada. Daí a sua importância no contexto da ética pregada por Cristo.

 Texto Bíblico (Mateus 5.33-37).

Argumentos Teológicos

Eu me alimento das mãos de Deus

Nesta parte do Sermão do Monte, Jesus não está condenando a nossa obrigação de manter a palavra dada. O que Ele condena explicitamente é a forma abusiva com que os judeus utilizavam os juramentos para dar valor às suas palavras. Jesus não ensina “coisas novas”, mas parte de princípios que os judeus conheciam muito bem. Não era novidade o problema que Ele levantou. Observe: Números 30.2 diz: “Quando um homem fizer voto ao Senhor ou fizer juramento, ligando a sua alma com a obrigação, não violará a sua palavra. Segundo tudo o que saiu da sua boca, fará”.

Não era uma regra, e sim uma exceção permitida por Deus como uma forma de proteção contra a desonestidade oriunda da natureza pecaminosa do homem. O homem deveria empenhar-se ao máximo para fazer valer a sua palavra e cumpri-la. Deus abomina o falso juramento em seu nome (Lv 19.12). Qualquer pessoa que jura, jura por uma terceira pessoa (“pelo céu, pela terra”), e nunca por si próprio. Apenas Deus jurou por si próprio, mas deixou claro que fez isso por ser soberano e não haver outro maior que Ele.

Outro ato que Deus condenava era o tomar o nome dEle em vão. Isso poderia ser feito em juramentos rotineiros, e o Senhor deixou bem claro que quem pratica tal coisa não será tido por inocente (Ex 20.7). É evidente que a boca pode pronunciar o que, na verdade, não pretende cumprir. Deus adverte, em Jesus, que Ele se agrada de compromissos assumidos e cumpridos. Os cidadãos do Reino de Deus não podem ter meias palavras. A finalidade desse mandamento é demonstrar que a palavra do cristão deve ser a mesma em qualquer lugar e circunstância. Basta ao que segue a Cristo uma afirmação ou uma negação, e não juramentos.

A relatividade dos Juramentos

Relatividade ante à grandeza divina.

Na passagem bíblica em apreço destaca-se outra vez a expressão: “ouvistes que foi dito aos antigos” (v.33), em alusão à forma estritamente legalista como os fariseus interpretavam a lei mosaica, agora na questão dos juramentos. É tanto que o princípio farisaico ao qual Jesus se reporta nesse versículo não aparece daquela forma em nenhuma parte do Antigo Testamento (ver Êx 20.7; Lv 19.12; Nm 30.2; Dt 5.11; 23.23), constituindo-se, portanto, apenas numa interpretação estritamente jurídica que os doutores da lei tinham do Pentateuco.

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Quando o Mestre questiona essa abordagem, não está pondo em dúvida o dever de manter-se o compromisso com a palavra empenhada, nem está admitindo o perjúrio, isto é, o falso testemunho. O que está sendo arguido pelo Senhor é a vulgarização dos juramentos, isto é, a forma desrespeitosa de usar o sagrado (o nome de Deus, por exemplo, v.34) para legitimar situações da rotina diária (às vezes comprometedoras), onde a palavra de cada um deveria ter o peso do caráter de quem a profere. É o que a Bíblia identifica como tomar o nome de Deus em vão (Êx 20.7).

Era comum, entre os judeus, jurar pelo altar, pela oferta, pelo templo, pelo ouro do templo e por Jerusalém, a cidade do grande Rei. Quanto mais importante o objeto do juramento, maior significado tinha o compromisso. Até mesmo o céu era invocado por testemunha entre as partes (ver Mt 23.16-22). Mas como pôr o trono do Altíssimo como avalista de nossas palavras, se apenas o Deus eterno tem o controle absoluto e soberano do tempo para determinar o rumo da história?

Relatividade ante às circunstâncias.

Estas superam o poder das nossas palavras e nos colocam muitas vezes em situações que nos impedem de agir da forma como desejávamos. O próprio Mestre levanta a questão, quando afirma: “Nem jurarás pela tua cabeça, porque não podes tornar um cabelo branco em preto” (v.36). Ora, se nos faltam condições de determinar o efeito das circunstâncias do tempo sobre o nosso organismo, como firmar nossas palavras em nome de alguma coisa sobre a qual não temos controle? Chega-se, portanto, à seguinte conclusão: nenhum juramento garante que as nossas palavras serão cumpridas, por maior valor que tenha o símbolo sagrado para firmá-lo.

Eis a razão pela qual o Senhor nos ensina a evitar esse recurso para garantir o que estamos falando. Ensino este que Tiago repete em sua epístola (Tg 5.5). A verdade é que já naquela época, como também nos dias de hoje, o uso indiscriminado dos juramentos tornou-se um recurso sem credibilidade porque passou a ser uma forma de tentar legitimar a mentira. Normalmente, quando alguém precisa “jurar” por alguma coisa é porque a “sua verdade” está desacreditada.

“Juramentos (5.33-37). A lei mosaica dizia: Não perjurarás (33; Lv 19.12; Nm 30.2; Dt 23.21), isto é, ‘jurar falsamente’ – no Novo Testamento, este verbo só é encontrado aqui. Mas Jesus disse: De maneira nenhuma jureis (34). Ele proibiu especificamente jurar pelo céu, pela terra, por Jerusalém, ou pela nossa própria cabeça (34- 36). Os judeus defendiam que jurar pelo nome de Deus vinculava aquele que fazia o juramento, mas jurar pelo céu não trazia nenhum vínculo.

Assim, os itens acima eram substituídos como uma forma de subterfúgio, para não se dizer a verdade. Bengel cita o ditado rabínico: ‘Como o céu e a terra passarão, assim também o juramento passará, pois os conclamou como testemunhas’.36 Jesus defendeu que Deus está sempre presente quando os homens falam; por esta razão, todos devem falar honestamente (CHILDERS, Charles L.; EARLE, Ralph; SANNER, A. Elwood (Eds.) Comentário Bíblico Beacon: Mateus a Lucas. Vol.6. Rio de Janeiro: CPAD, 2006, p.60).

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O Domínio pessoal no uso da palavra

A prudência da reflexão.

Verifica-se, mais uma vez, agora quanto à palavra do cristão, que a essência do ensino de Cristo não está na forma ou nos símbolos exteriores de compromisso com a verdade, mas nas atitudes do coração. Um símbolo (ou juramento) nada representa se o propósito para o qual aponta não estiver revestido de legitimidade.

Eu me alimento das mãos de Deus

Portanto, o que Jesus procura realçar é a necessidade do domínio pessoal para que a nossa palavra tenha o peso correspondente à seriedade com que lidamos com as situações da vida. Aqui entra a prudência da reflexão. É o “estarmos prontos para ouvir”, conforme Tiago 1.19. Temos a tendência de falar mais do que devíamos e ouvir menos do que precisamos. Isto contribui para a perda da capacidade de refletir, resultando frequentemente em afirmações precipitadas ou mesmo fraudulentas que não passam na prova da verdade.

A prudência do autoexame.

Por conseguinte, aquele que reflete antes de fazer qualquer tipo de pronunciamento jamais deixará de submeter-se ao autoexame da consciência para medir os efeitos de tudo quanto possa estar engendrando em seu coração (cf. Gn 6.5; Lc 6.45). Isto porque a palavra é apenas um meio de trazer à tona aquilo que foi previamente articulado nos escaninhos do pensamento. Mesmo que haja hipocrisia ou astúcia no que está sendo dito, tudo é premeditado para que o ouvinte tenha as melhores impressões e acredite piamente tratar-se da verdade.

A prudência do domínio verbal.

Tal atitude leva a outro comportamento: a capacidade de dominar a língua, cujo efeito o apóstolo Tiago compara à força do pequeno leme de uma nau, capaz de conduzi-la de um lado para outro ao menor movimento dos braços do piloto (Tg 3.1-12). Ter domínio verbal não significa calar-se, tornar-se alienado ou deixar de posicionar-se quando as circunstâncias o exigem. Significa, isto sim, estar consciente de que há tempo para todas as coisas, entre elas o ato de falar, com as seguintes implicações: a) falar na hora certa; b) falar quando for necessário; c) falar apenas o indispensável; d) falar com sinceridade; e) falar para construir, e f) medir as consequências do que fala (ver Tg 5.5).

“Maldizer não é o assunto aqui. Ao contrário, Jesus comenta sobre a prática de obrigar-se a manter uma promessa ao fazer um juramento. No século I, todo um sistema havia se desenvolvido para diferenciar entre os juramentos que comprometem e os que não comprometem. Assim, uma pessoa ficava comprometida ao jurar “em relação a Jerusalém”, mas não se jurasse “por Jerusalém”.

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Uma pessoa ficava comprometida ao jurar “pelo ouro do altar”, mas não se jurasse “pelo altar” propriamente dito. […] Os juramentos eram comumente feitos levantando-se a mão a Deus (Gn 14.22; Ez 20.5ss, Hb 3.18; 6.13; 7.21; Ap 10.5) e em casos excepcionais colocando-se a mão debaixo da ‘coxa’ […] daquele a quem o juramento era prestado (Gn 24.2ss.; 47.29). Este era o modo solene de significar que, se o juramento fosse violado, a descendência da pessoa vingaria o ato de deslealdade.” Amplie mais o seu conhecimento, lendo  o Dicionário Bíblico Wycliffe, editado pela CPAD, pp.1119.

A Palavra do Cristão

Quando é possível dizer sim.

Com isto em mente, chegamos ao âmago do ensino de Cristo sobre a palavra do cristão (v.37). Aqui está implícita a ideia de firmeza em nossa comunicação pessoal, de maneira que a nossa palavra em si baste, sem qualquer juramento, para firmar os nossos compromissos. Sem nos esquecermos, por outro lado, de ponderar as circunstâncias, as nossas limitações e a soberania de Deus sobre todas as coisas (ver Tg 4.13-15). Tal discernimento nos dará condições não só de saber a hora de dizer sim, mas a forma de (e quando) fazê-lo, para que sejamos capazes de cumprir com as nossas obrigações.

Quando é indispensável dizer não.

Ter essa firmeza de decisão, por conseguinte, levar-nos-á a dizer não, com amor, sempre que for indispensável, mesmo que, para alguns, não seja uma atitude fácil. Por faltar ao sacerdote Eli a capacidade de dizer não aos pecados dos filhos, Israel sofreu um de seus mais retumbantes fracassos e perdeu a glória de Deus (cf. 1Sm 3.10-14; 4.1-22).

A procedência maligna da duplicidade.

Mas, na verdade, a ideia que o v.37 deixa transparecer é que em nenhuma circunstância jamais devemos mentir, nem usarmos de duplicidade em nossas posições, mas assumir a responsabilidade de nossa palavra no tocante a todas as áreas de nossa vida. A chamada posição de neutralidade — nem contra, nem a favor — sempre foi condenada pelas Escrituras (“é de procedência maligna”), pois revela muitas vezes ausência de caráter, falta de compromisso e mero oportunismo (cf. Ap 3.16). Temos de assumir nossos erros e acertos e encará-los de frente com a responsabilidade de quem tem, sobretudo, compromisso com a verdade diante de Deus. Em questões de , por exemplo, não há meio-termo: ou estamos do lado da verdade ou contra ela.

Conclusão

Assim, contrariando os fariseus, o Senhor Jesus expôs a correta interpretação da lei mosaica quanto aos juramentos para demonstrar que a essência da vida cristã não está nas formalidades de alianças que nem sempre refletem a verdade do coração. Para o Mestre, conta a inteireza de alma que, sem dúvida, resulta em considerar a palavra sincera do cristão uma arma poderosa para o testemunho da fé. (Ver lição 6 “A Palavra do Cristão… cpad 2º Trimestre 2021 – Geremias do Couto).

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