Perdoamos porque fomos perdoados
Esta parábola, que ocorre apenas em Mateus, é uma narrativa muito simples sobre a necessidade de liberarmos perdão para aquele que nos ofendeu ou machucou. Perdoamos porque fomos perdoados.
A razão é simples: fomos alcançados pelo gracioso perdão de Deus. Perdão, sem sombra de dúvidas, é um dos temas centrais da palavra de Deus.
TEXTO BÍBLICO (Mateus 18.21-35)
Neste artigo você estudará sobre:
ToggleCaracterísticas da Parábola
1 – O contexto.
Essa parábola nasce num contexto em que Jesus vinha falando sobre a importância e a necessidade de lidarmos adequadamente com as falhas de relacionamento dentro da comunidade.
Em Mateus 18.15, Jesus diz: “Se teu irmão pecar contra ti…”. Pedro interrompe e faz uma pergunta inusitada: “Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes?” (Mt 18.21). Provavelmente Pedro pensava que estava sendo muito espiritual com tal sugestão.
Perdoar uma mesma pessoa pela sétima vez seguida não é para qualquer um e ninguém duvidaria que se trata de uma situação complicada. Mas Jesus, contra todas as expectativas e possíveis respostas, diz: “Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete,” (Mt 18.22). É nesse contexto, e para reforçar o que dizia, que Jesus conta a conhecida Parábola do Credor Incompassivo.
Observação:
“Jesus de Nazaré, argumenta Hannah Arendt, foi ‘o descobridor do papel do perdão no reino dos assuntos humanos’.
Pode ser muito afirmar que Jesus descobriu o papel do perdão social, visto que os profetas e sábios antes d Ele também estavam cientes deste fenômeno, mas Ele claramente transformou o seu significado e significação de um modo que causou um efeito profundo na história humana.
“Se examinarmos os livros do Novo Testamento em ordem aproximadamente cronológica, mais uma vez identificaremos uma trajetória que nos leva a pensar no perdão de um modo que transcende as metáforas puramente legais ou financeiras.
Marcos, o mais antigo dos Evangelhos, claramente liga a chegada de Jesus com a previsão dos profetas hebreus referente à promessa de perdão e à vinda do Messias.
Diferente das introduções mais longas dos outros Evangelhos, Marcos cita os profetas e em seguida declara que João Batista ‘apareceu’ e proclamou um batismo de arrependimento para (ou em voltado para) o perdão dos pecados (Mc 1.4)”
2 – O resumo.
A história contada diz respeito a um soberano que, após fazer uma auditoria, chamou seus servos para um ajuste de contas. Logo no início veio um que lhe devia tanto dinheiro que nem mesmo que vivesse mil vidas poderia pagar. Não tendo como pagar, o rei ordena que tudo o que ele tinha fosse vendido para o devido ressarcimento, incluindo sua família.
A única saída era apelar para o coração do rei. Jesus então diz que ele é perdoado daquela imensa dívida. Esse referido servo, ainda a caminho de casa, encontra alguém que contraíra uma pequena dívida para com ele e aproveita para cobrar a dívida com surpreendente violência, ao que o devedor pede um pouco mais de paciência.
Sem demonstrar nenhuma compaixão, o servo manda colocar o devedor na cadeia até que este pague o que deve. O rei fica encolerizado com a contradição daquele homem, manda chamá-lo, revoga o perdão concedido e encarcerando-o diz que deseja seus recursos de volta. Jesus conclui dizendo que Deus agirá da mesma forma se não encontrar em nós um coração compassivo e perdoador.
Observação:
“Um ‘talento’ é uma medida de peso em ouro, prata ou cobre. Ele variava, mas oscilava entre 27 e 41 Kg. Dez mil talentos não seriam menos do que 270 toneladas de metal. Dependendo do tipo de metal utilizado, um talento era equivalente a cerca de 6.000 denários e, à base de um denário por dia (cf. Mt 20.2), um trabalhador precisaria de 164.000 anos para quitar a dívida!” Para conhecer mais, leia Compreendendo todas as Parábolas de Jesus, CPAD, p.112.
3 – O tema principal.
O tema principal dessa maravilhosa história é o perdão, não o de Deus concedido ao homem (embora isso esteja presente), mas o do homem em direção a outro homem. Enquanto não chegarmos à perfeição, só nos resta perdoar.” (Rodrigo Dantas).
Jesus mostra que Deus tem tratamento para os que ferem e para os feridos. O único jeito de vivermos nesse mundo é como perdoados que perdoam. Perdoar é ter as emoções conquistadas e livres da amargura que corrói a alegria de viver e transforma a vida numa masmorra fria, estéril e insuportável.
É impossível conviver sem a prática do perdão. Portanto, perdão é o remédio de Deus para relacionamentos adoecidos.
Observação:
“A chamada de Jesus ao perdão imediato é a ocasião para esta parábola. Mateus une fortemente as duas passagens com as palavras ‘por isso’ (dia touto, tradução Literal). Jesus começa dando um exemplo de perdão extravagante.
O fato de um servo (provavelmente ministro da corte) dever dez mil talentos é incrível; Jesus exagera a soma astronômica para causar efeito. Um talento era alta denominação de dinheiro, equivalente de seis a dez dinheiros ou denários (um denário era o salário mínimo de um operário pelo trabalho de um dia).
Em termos do dinheiro de hoje, seria uma dívida na casa dos bilhões de dólares. O servo nunca viveria o suficiente para acumular ou fraudar tal quantia. É situação tão desesperadora, que ele e sua família terão de ser vendidos como escravos (v.25), mas até isso apenas faria cócegas na importância devida.
Responder como o homem pagaria está além da função da parábola” (SHELTON, James B. In AR- RINGTON, French L.; STRONDAD, Roger (Eds.). Comentário Bíblico Pentecostal 1.ed. Rio de Janeiro; CPAD, 2003, p.108).
Lições da Parábola
1 – Não faça contas.
Pedro sabe que deve perdoar e que certamente precisará perdoar mais de uma vez, mas até quantas vezes? Qual o limite? Então arrisca um número: “Até sete?” Toda essa questão matemática apontada por Pedro chama a atenção.
Jesus seguindo na direção proposta diz: “Não te digo que até sete; mas até setenta vezes sete”. Quatrocentos e noventa vezes? Quem ofenderia tantas vezes assim?
No entanto, fica evidente que Jesus não está falando que a ofensa de número 491 não deveria ser perdoada. O que ele está dizendo é: “Não faça contas. Isso é tolice. Perdão é algo que faz bem a você mesmo, então por que ficar preocupado com a matemática das ofensas?”
2 – Todos devemos ao Rei.
Todas as pessoas deste planeta devem a Deus. Se ele nos chamar para acertar as contas, ninguém ficará de fora. Pior ainda é saber que não temos como pagar nossa dívida. Ela é grandiosa demais. Jesus fez uso de uma hipérbole ao falar sobre a dívida desse homem.
Dez mil talentos era uma dívida assustadora. Se formos entregues a nós mesmos nossa sorte seria a perdição eterna. Não há nada que possamos fazer para mudar isso. Nenhum ser humano, nenhum de nós jamais poderia saldar nossa dívida para com Deus porque não há justiça em nós.
A nossa única garantia de ingresso no céu é a obra de Jesus Cristo. Somos seres falidos moral e espiritualmente. Ainda que consigamos evitar muitos pecados grosseiros, o fato é que um único que cometêssemos nos levaria para o Inferno.
3 – Por que perdoar?
Primeiro porque essa e a melhor resposta à misericórdia a nós estendida. Em segundo lugar, porque perdão é algo que nos liberta, sara e nos permite andar na presença de Deus.
Onde não há perdão, não há cura, nem vida, nem alegria; tampouco existe saúde emocional ou espiritual. Perdão é um tema importantíssimo pelo seu poder terapêutico e libertador. Quando perdoamos, libertamos alguém e esse alguém, descobrimos, somos nós mesmos.
Não perdoar por sua vez, é seguir acorrentado à outra pessoa, na expectativa do que de pior possa acontecer com ela. Não vale a pena. “Sem perdão não há cura para a alma e para as emoções’
Conclusões da Parábola
A ênfase na misericórdia. Tanto é assim que essa parábola é também conhecida como “a parábola do servo sem misericórdia”. Há uma ênfase grandiosíssima na misericórdia do rei. Jesus diz que ele é “movido de íntima compaixão” (Mt 18.27, ARC).
Compaixão é uma palavra muito forte. É a junção de duas palavras: Com + Paixão. Compaixão é sentir a dor do outro. Quando avaliamos a quantia que foi perdoada pelo soberano, vemos mais ainda o brilho dessa misericórdia. Quando conta a parábola em questão, Jesus diz que o servo devia o equivalente a dez mil talentos.
Ora, sendo o talento o equivalente a seis mil denários e o denário o pagamento de um dia de trabalho, concluímos que o homem devia 60 milhões de dias de trabalho. Numa conta fácil concluímos que para pagar isso, deveria trabalhar todos os dias por 165 mil anos. IMPAGÁVEL! Que grande misericórdia lhe foi conferida.
A questão do juízo.
A parábola também fala de juízo. Tão grande misericórdia e perdão demonstrados exigem dos seus beneficiados uma resposta, no mínimo, coerente.
Quando o homem é chamado de volta ao rei, além da repreensão duríssima (“servo malvado”), o rei confronta a incoerência da sua atitude: “não devias tu, igualmente, compadecer-te do teu conservo?”
Fica claro que a misericórdia é pré-requisito de quem se diz discípulo de Jesus. A seriedade da nossa negligência em demonstrar perdão e misericórdia tem um preço. Há um claro alerta aqui sobre isso.
Mitos que sabotam o perdão.
Existem algumas premissas que, embora falsas, atrapalham e dificultam nossa capacidade de perdoar. São várias, mas mencionaremos apenas três:
a) O tempo resolverá tudo. Isso não é verdade.
Muita gente gostaria que fosse assim, mas lamento dizer que não é. Se há algo que o tempo por si só não resolve é a questão de mágoa no coração.
Podem passar décadas, a ferida continuará à espera do único remédio que a cicatrizará: O PERDÃO. Aliás, a recomendação bíblica é que as desavenças sejam resolvidas logo. Paulo diz: “não se ponha o sol sobre a vossa ira” (Ef 4.26). Em outras palavras: resolvam logo e não fiquem com raiva o dia inteiro.
b) O perdão é para o arrependido.
Só podemos perdoar quem se arrepende. Será assim? Esse é um mito muito forte. Ao agir assim estamos deixando as rédeas da nossa vida nas mãos de terceiros. E se a pessoa demorar 15 anos para se arrepender? E se ela não se arrepender nunca? Vamos carregar isso? Engasgando? Amargando?
Não é isso que aprendemos com Jesus. Então, o perdão pode e deve existir, independente do arrependimento da outra parte. Quando ela se arrepender, se ocorrer, o benefício será duplo.
c) Não posso perdoar. Ela não merece.
É verdade; mas, quem merece? Alguém merece? Seria melhor concluir assim: “ela ou ele não merece. Se merecesse seria mais fácil”. Mas a questão que envolve o perdão é que realmente é verdade que o ofensor não merece. Por isso a conta não fecha. Não vai fechar nunca. Quem precisa não merece, quem merece não precisa. Perdão é algo que oferecemos para quem não merece.