Orando e Jejuando como Jesus ensinou
Ao tratar da solidariedade, da oração e do jejum, o Senhor demonstra mais uma vez que sua rejeição à formalidade da aparência, mas atenta para a sinceridade do coração. Deus não se prende às formalidades nem às aparências, mas se importa com o que acontece no recôndito de cada pessoa, valorizando assim o relacionamento íntimo e particular entre Ele e o crente. O mais importante não é ter as nossas obras reconhecidas e valorizadas pelos homens, mas, sobretudo por Deus.
Texto Bíblico (Mateus 6.5-18)
Neste artigo você estudará sobre:
ToggleO valor da Oração verdadeira
A oração verdadeira não visa o exterior.
A seguir, o Senhor tratou da oração verdadeira, cuja principal característica é ser um canal de comunicação com Deus. Orar é falar com o Pai e também ouvir-lhe a voz. É uma via de mão dupla, onde lhe dirigimos o nosso clamor, e ele, ao mesmo tempo, dialoga conosco (ver Jr 33.3). Assim, o Senhor condenou os fariseus por tornarem a oração um instrumento de orgulho religioso (v.5), com ênfase no exterior para transparecer piedade, enquanto o coração, na verdade, permanecia envolto em hipocrisia. Por isso, Jesus os chamou, certa vez, de sepulcros caiados (Mt 23.27). Vistosos por fora, mas imundos por dentro.
A oração verdadeira não é ritualística.
Como se vê, na visão farisaica a oração era meramente formal, constituída de rituais, os quais tinham mais valor do que o conteúdo da própria oração. Segundo nos informa a tradição judaica, chegavam a orar dezoito vezes ao dia, em horários predeterminados, nas ruas, sinagogas ou praças, repetindo fórmulas que nada acrescentavam à vida de espiritualidade.
A oração verdadeira é um ato pessoal.
Mas a verdadeira oração é um ato pessoal entre o ser humano e Deus e não comporta nenhum outro tipo de direcionamento. Entrar no aposento, como ensinou Jesus (v.6), tem o sentido primário de nos estimular à devoção diária, mas também demonstra que a oração é algo que cada crente precisa levar a sério na privacidade de sua vida pessoal. Por outro lado, não é o tom de voz, a linguagem rebuscada, nem mesmo os artifícios guturais que determinam a espiritualidade da oração. Ainda que seja apenas um sussurro, mas se estiver brotando de um coração sincero o seu valor transcende a qualquer pretensão formalista (ver 1Sm 1.12-18; Lc 18.9-14).
O modelo da oração verdadeira.
Por último, o Senhor se reporta às “vãs repetições” dos gentios para exemplificar que jamais devemos seguir esta fórmula, que nada mais é do que a repetição pura e simples do mesmo palavreado ritualístico todo o tempo, onde não há lugar para a espontaneidade do coração. Em razão disso, o modelo da oração do Pai nosso ensinado por Jesus, no Sermão do Monte, jamais deve ser interpretado como um ritual para ser meramente repetido em nossa prática devocional e, sim, para identificar os componentes da verdadeira oração a Deus (ver Mt 6.9-13).
Argumento Teológico
Jesus mostra, nesta seção do Sermão do Monte, que atos piedosos podem ser mal-interpretados e adulterados pelos homens. Os exemplos que o Mestre apresenta são o ato de dar esmolas, a oração e o jejum. Ele sabia que esses atos podiam fazer com que o povo admirasse e exaltasse as pessoas que os praticam. Jesus não condena os atos — pois são sinais de piedade — mas sim as consequências dos mesmos quando executados sem os motivos corretos. À primeira vista, nada há de errado em dar ofertas, orar em público ou jejuar.
Entretanto, sabendo que os homens julgam o que conseguem ver, e Deus julga as nossas motivações, Jesus advertiu que tais atos não devem ser feitos de forma indigna. Existe um julgamento e um certo grau de justiça na prática desses atos, quando feitos sem ostentação. Deus e também os homens nos julgam e nos recompensam. No caso dos homens, a glorificação é terrena, temporária e exalta a pessoa que pratica a boa ação. No caso de Deus, a recompensa é celeste, eterna e exalta aquele que pratica a boa ação, porém, de acordo com a intenção do ato praticado. Deus enxerga o íntimo, e não apenas o exterior.
A justiça feita por causa de uma exibição — seja ela dar esmolas, orar em público ou jejuar desfigurando o rosto — já teve seu pagamento. Deus não é obrigado a dar uma segunda retribuição. Basta ao tal “justo” o prêmio dos homens. Quanto aos que se enquadram nas definições de Jesus de como fazer tais obras, é certo que serão vistos por Deus, mesmo que não o sejam pelos homens. Temos garantia, nas palavras de Jesus, de que o próprio Deus se responsabiliza por recompensar as nossas esmolas, orações e jejuns.
A importância do verdadeiro Jejum
O jejum não tem sentido penitencial.
Para fechar essa tríplice verdade sobre o padrão de nossa vida pessoal com Deus, o Senhor acrescentou também o jejum, além da solidariedade e da oração, corrigindo as distorções dos fariseus, que davam conotação meramente penitencial a essa prática.
O jejum não visa a autoglorificação.
O jejum também não visa a autoglorificação, para parecer aos homens que somos mais espirituais e, por isso, desfrutarmos de maiores privilégios em nossa relação com Deus (v.16).Infelizmente, costuma-se medir a espiritualidade das pessoas, entre outros fatores, pelo número de vezes que jejuam e pela forma como se expõem diante do povo. Mas, queiramos ou não, essa atitude foi radicalmente condenada por Jesus por ser portadora de orgulho espiritual, o que, por si só, torna sem valor qualquer iniciativa do gênero (cf. Sl 101.5; 138.6).
O jejum é um ato de entrega pessoal.
Para o Senhor, o jejum é um ato de entrega pessoal, uma questão entre a pessoa e Deus, e não para enriquecer o currículo de feitos admiráveis para serem aplaudidos pelos homens (vv.17,18). Quem jejua o faz para Deus, como parte do seu culto racional (ver Rm 12.1), para manifestar-lhe, com esta conduta, que a sua vida lhe pertence. Em outras palavras, é um ato de plena adoração ao Senhor e busca da sua face, em renúncia e quebrantamento de espírito, sem a intenção de reivindicar lugar de proeminência espiritual. Pelo contrário, o verdadeiro jejum leva o crente ao caminho da humildade, porque, em suma, reconhece a soberania divina sobre sua vida (At 13.3).
Argumento Bíblico
“Quando jejuardes, não vos mostreis contristados (6.16). Somente um dia de jejum é ordenado no Antigo Testamento, o Dia da Expiação (Lv 16.29-31; 23.27-32). Ainda assim, o jejum fazia parte da vida social e religiosa de Israel. Os indivíduos e grupos jejuavam como um sinal de humildade e confissão (Sl 35.13; Is 58.3, 5; Dn 9.2-19; Jn 3.5), ou como indicação de desespero na oração (2 Sm 1.12; Ed 8.21-23; Et 4.16). Depois do exílio na Babilônia, foram introduzidos jejuns comemorativos (Zc 7.3-5; 8.19).
Na época de Jesus, os fariseus jejuavam voluntariamente duas vezes por semana (Lc 18.12), todas as segundas-feiras e quintas-feiras. No entanto, muitos dos que jejuavam asseguravam-se de que os demais soubessem que eles estavam realizando este ato devoto, assumindo uma atitude abatida, pulverizando cinzas sobre as suas cabeças ou deixando de lavar e de ungir os cabelos. […] Mas tudo isto é inútil. […] [Jesus] Ele simplesmente está nos lembrando de que quando uma pessoa jejua, ela deve fazer isso como um ato de adoração e não para a sua auto-promoção.
Este é um bom princípio para aplicar em todas as nossas atividades ‘religiosas’. O que quer que façamos, deve ser motivado por um desejo de agradar a Deus e não pela preocupação com o que os outros pensarão de nós” (RICHARDS, , Lawrence O. Comentário Histórico-Cultural do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, p.32).
Conclusão
Portanto, ao tratar dessa tríplice verdade — a solidariedade, a oração e o jejum — o Senhor pós mais uma vez a questão da espiritualidade em seu verdadeiro lugar: tudo o que se restringe apenas à aparência, não provindo do coração, não tem valor espiritual algum diante de Deus.