Sinceridade e Arrependimento diante de Deus
Desta vez estudaremos mais uma parábola muito importante para mostrar o perigo da arrogância espiritual que ronda os cristãos. De todas as formas de arrogância, com certeza, essa é a pior de todas, pois traz Deus para a equação.
TEXTO BÍBLICO Lucas 18.9-14.
Neste artigo você estudará sobre:
ToggleAnalisando a Parábola
Jesus escolhe propositada- mente duas figuras, diferentes entre si, mas extremamente comuns e conhecidas do seu tempo, fazendo delas uma ponte para ensinar profundas verdades espirituais.
O fariseu.
O nome fariseu significa “separado”. Juntamente com os saduceus e essênios, constituíam as principais seitas judaicas. Eles surgiram com um intento muito nobre, que foi resistir ao espírito do paganismo helênico que se manifestou no período grego.
Então, inicialmente, os fariseus não eram repugnantes e legalistas como o Novo Testamento demonstra. Nenhum dos inimigos de Cristo foi tão intenso e declarado como os fariseus. João Batista já os havia confrontado duramente, chamando-os, inclusive, de raça de víboras (Mt 3.7). Contudo, foi o discurso de Mateus 23 que estabeleceu a grandeza do choque e da diferença entre eles e Jesus.
Nesse capítulo, Jesus denuncia sua hipocrisia e orgulho pela maneira corno desprezavam a essência da lei e se apegavam a minúcias e práticas externas, esquecendo-se do mais importante. Alguns dizem que, ali, Jesus assinou a sua sentença de morte.
Em geral, os detentores do poder não suportam ser desagradados. O fariseu era aquele que, do ponto de vista da religiosidade, era irrepreensível; alguém que cumpria as normas e preceitos nos pequenos detalhes e que jejuava frequentemente, sendo zeloso ao extremo.
O fariseu era alguém que, se olhado do lado de fora, era puro e corretíssimo. Porém, o coração deles não condizia com as suas palavras. Considerando-se os guardiões da pureza doutrinária, acabaram por se constituírem em uma aberração religiosa aos olhos de Deus. Esse perigo é real, ainda hoje. É possível amar prédios, estatutos, placas e costumes, e deixar de amar pessoas.
Quem Eram os Fariseus
“Os fariseus, ou perushim, isto é, do ‘hebraico parash, separar, interpretar’, expressão que literalmente significa ‘separados ou separadores’ e pode ser entendida, como ‘intérpretes ou comentadores’, isto é, aqueles que distinguem, separam e expõem a lei’, eram judeus piedosos e, pela sua popularidade, considerados ‘mentores religiosos da ‘ralé”. Para conhecer mais, leia O Sermão do Monte, CPAD, p.100.
O publicano.
Os publicanos estavam a serviço dos dominadores imperiais. Em vez de nomear seus patrícios como oficiais, os romanos costumavam escolher pessoas do próprio povo conquistado, desde que pudessem oferecer alguma garantia.
Em geral, eram pessoas de posses, mas também sem escrúpulos, pois precisavam lucrar com sua profissão cruel. Assim, eram odiados tanto publicamente como particularmente. Os publicanos, portanto, eram cobradores de impostos, fiscais da fazenda, odiados duplamente pelos seus compatriotas.
Primeiro, porque cobravam impostos extorsivos, e ninguém gosta disso. Segundo, porque esse imposto era destinado aos romanos opressores.
Assim, esses funcionários da fazenda eram considerados traidores do seu povo; e, para piorar, em geral, eles cobravam ágio, ou além do que deveriam, ficando com a diferença. Tudo isso os colocava numa situação oposta a dos fariseus, em termos de reputação.
Obs: “A oração que o pecador faz com humildade e arrependimento leva à conversão genuína, que, por sua vez, se evidencia pela conversão comprovada, pela reparação dos erros cometidos e a volta às atividades que honram a obra de Deus e o glorificam.
Os atos falam mais alto que as palavras. São os atos da pessoa que atestam a sinceridade da sua conversão. Se você está em falta diante de Deus, quanto maior for seu erro, tanto maior deve ser a humildade e o arrependimento demonstrados em sua oração. Você estará orando a um Deus vivo que conhece tudo que é rico em misericórdias” (SOUZA, Estevam Ângelo de. Guia Básico de Oração, 1.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2002, pp.124,125-26).
A questão da oração.
Um aspecto muito importante, nessa parábola, é a sua relação com a oração. Embora fale de dízimos e jejuns, a oração tem um destaque acentuado. O caráter do fariseu é revelado na sua oração. A oração dele só continha informações, como se Deus precisasse delas.
Ele, na verdade, queria impressionar Deus. Sua oração foi desprezível, cheia de autoelogios e, igualmente, cheia de desprezo para com o próximo. Uma antiga versão diz que ele “orava de si para si mesmo”. Ou seja, sua oração foi apenas um monólogo cansativo. O fariseu não orou, tocou trombetas; ele não orou, aplaudiu a si mesmo; ele não orou, fez cócegas no próprio ego; ele não orou, olhou-se no espelho e cantou: “Grandioso és tu”. Como tem sido o conteúdo das nossas orações?
Obs: “Dois homens subiram ao templo, a orar; um, fariseu, e o outro, publicano
(10). Eles não entraram no santuário, mas em um dos átrios do templo onde eram oferecidas as orações. Este era o pátio das mulheres. Ao escolher um fariseu e um publicano para esta ilustração, Jesus escolheu dois extremos. Os fariseus eram a mais rígida, mais conservadora e mais legalista de todas as facções dos judeus.
Os publicanos eram oficiais judeus do governo romano, cujo trabalho era recolher taxas para Roma. Eles eram odiados pelos judeus tanto pelas taxas recolhidas para os dominadores estrangeiros, como por serem geralmente desonestos” (CHILDERS, Charles L. Comentário Bíblico Beacon. Vol.6. 1.ed. Rio de Janeiro; CPAD, 2006, pp.467,468).
Aprendendo com a Parábola
O orgulho atrapalha.
O tema central da parábola é aquilo que é dito no versículo 9: a arrogância espiritual. Veja que a parábola é contada tendo como contexto o estado espiritual dos ouvintes, conforme relatado no início: “Propôs também esta parábola a alguns que confiavam em si mesmos, por se considerarem justos, e desprezavam os outros” (Lc 18.9).
O fariseu se considerava melhor do que o publicano. Isso é arrogância. É possível vermos que hoje há muita carreira “solo” em nosso meio. A pessoa se acha superior e despreza os demais. Supondo-se especial, despreza o trabalho em equipe, isola-se e, não poucas vezes, insubordina-se. Nada é mais abominável aos olhos de Deus do que o orgulho.
Considere as outras pessoas.
Devemos, sim, guardar princípios, mas precisamos amar pessoas. Nunca podemos esquecer que Jesus não morreu por princípios, mas para salvar pecadores. Morreu por pessoas. Devemos ou podemos ser zelosos por doutrina e corretos em nosso viver, mas precisamos proteger nossos corações, para não odiar quem pensa diferente ou idolatrar estatutos e normas.
A intolerância era a marca registrada dos fariseus. Os fariseus (e esse da parábola não era diferente) eram os “homens do livro”, mas não eram os homens das pessoas. É preciso cuidado para não se encantar com verdades religiosas e esquecer as pessoas.
É interessante, e assustador, como algumas pessoas, ditas religiosas, são tentadas a valorizar mais as leis e manuais de conduta da denominação do que a Bíblia Sagrada, que manda corrigir com mansidão e brandura os que forem surpreendidos em algum delito (Gl 6.1). Alguns crentes, infelizmente, mais parecem os jogadores de pedra de João, capítulo 8.
Valor do arrependimento.
O publicano estava claramente debaixo de grande convicção de pecado. Jesus não está fazendo apologia ao erro, mas dizendo que esse homem está arrependido. Ele nem mesmo ergue os olhos ao céu, tamanho o seu senso de indignidade. Ele batia no peito, como sinal de tristeza e, na sua oração, ele refere-se a si como “o pecador”, não “um pecador”. Ele também se coloca numa classe à parte, mas diametralmente diferente da do fariseu. Nada tem a negociar ou oferecer em troca. Apenas pede misericórdia.
Arrependimento é isso: dar-se conta de quem realmente é. Quem está arrependido, de verdade, não fica se comparando a ninguém. Não existe atitude mental mais sabotadora do verdadeiro arrependimento do que a justiça própria e a presunção, e o fariseu da parábola estava cheio das duas. Arrependimento no grego é metanoia, palavra que carrega a ideia de virar a mente do avesso, profundo pesar e um desejo radical de mudar.
Observação:
“O tríplice uso da expressão ‘hipócritas’ [hypokritês] ([utilizada por Jesus em Mateus 6] vv.2,5,16), termo grego originalmente utilizado no teatro para os atores que representavam, denota a seriedade com que são encarados os que fazem o bem com motivações escusas.
É impossível não lembrar-se de Mateus 25.31-46, quando as ovelhas forem separadas dos bodes, justamente por causa das boas obras executadas. Obras que, vale ressaltar, eram praticadas sem nenhum outro interesse por parte de quem praticava a não ser o bem da pessoa necessitada. Aliás, os benfeitores estavam fazendo ao próprio Filho de Deus, mas eles sequer sabiam disso!
Nada fora feito para representar, pois eles sequer sabiam que estavam sendo observados e suas obras anotadas e contabilizadas. É assim que, conforme observa Dumais, uma ‘ação praticada diante do Pai ’em segredo’ (vv. 4.6.18) não significa uma ‘ação secreta’; designa toda ação, até pública, que se faz de verdade diante do Pai, ‘que vê o que está oculto’, isto é, que penetra a intenção profunda dos corações’.
O feito de qualquer um, isto é, qualquer obra, jamais será ‘oculta’ diante dos olhos de quem tudo vê e conhece, inclusive as ações, não precisam ser necessariamente ocultas, escondidas, pois se não houver outra forma ou local, elas podem ser realizadas publicamente” (CARVALHO, César Moisés. O Sermão do Monte, l.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2017, pp.102-03).
Fechamento da Parábola
O perigo da teatralidade.
O fariseu se achava acima e melhor do que todos, inclusive desprezando o publicano ao seu lado. O problema dele não era o que ele fazia, mas o coração e a forma como fazia. Aquilo que o fariseu dizia acerca de si mesmo era rigorosamente verdadeiro, mas o espírito da sua oração era totalmente errado.
Por exemplo, a lei mandava jejuar uma vez por ano, ele, todavia, jejuava duas vezes por semana. Mas seu coração estava longe de Deus. Suas orações eram performaticamente perfeitas, mas Deus sonda os corações e vê que seu interior estava cheio de empáfia e jactância. Religiosidade, se não brotar de um coração sincero, nada significa para Deus. Simples assim.
Oração é mais que palavras.
Comparativamente, a oração do fariseu foi longa. Ele usou trinta e quatro palavras, ao passo que o publicano usa apenas sete. A oração dele é cinco vezes maior, mas ele por nada agradece, nada confessa, não adora e, principalmente, não há nenhuma consciência de pecado e dependência de Deus. O “deus” que esse homem adora é o orgulho.
Na sua oração, ele se movia em um círculo, cujo centro era ele mesmo. Ele tinha um ego muito grande. Soberba e oração não podem jamais habitar conjunta mente o mesmo coração. Uma oração pode ser longa, mas isso não significa que ela seja mais eficaz ou piedosa, pelo simples fato de ser longa. Jesus orou noites inteiras (Lc 6.12), mas também fez orações curtíssimas e igual mente poderosíssimas, como antes de ressuscitar seu amigo Lázaro (Jo 11.41 e 42).
É fato que precisamos orar mais e continuamente, mas também é fato que oração tem tudo a ver com um coração que agrada a Deus. Algumas orações são apenas palavrórios (Mt 6.7), e outras, são desprezíveis como a oração de Tiago e João pedindo grandeza e superioridade sobre os demais (Mc 10.37).
O publicano é justificado.
A forma como Jesus termina a parábola deve ter sido um choque para seus ouvintes. Sua posição foi paradoxal e surpreendente, talvez até inaceitável para alguns. Por permanecer cego diante das suas falhas e da sua pecaminosidade, o fariseu nada alcançou.
Quanto ao publicano, a única oração que sai dos lábios desse homem é: “Deus, sê favorável, tem misericórdia de mim”. Sua oração, diferente da outra feita pelo fariseu, foi curtíssima e cheia de confissões. O negócio desse homem era com Deus; o do fariseu, com a sua própria reputação. Quando finalizou a parábola, Jesus não poderia ter sido mais chocante: “Porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado” (Lc 18.14).
Conclusão
Diante da lição estudada cabe a cada um de nós refletirmos e interrogarmos a nós mesmo dizendo: Como tem sido nossas orações? Elas se parecem com a oração do fariseu ou do publicano? Que Deus nos ajude a mantermos nosso relacionamento com Ele através da oração de modo sincero !